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28 março 2018

[Séries] American Crime Story




Crime, Kardashians e prêmios
 
Em 1995 (quem não havia nascido levanta a mão) Orenthal James Simpson, mais conhecido como O.J. Simpson foi levado a julgamento, acusado de ter assassinado brutalmente sua ex-mulher, Nicole Brown Simpson e o amigo dela, Ronald Goldman, no ano anterior.
Até aí, mais uma manchete de crime. Mas quando se soma um grande herói do esporte e do entretenimento, uma das histórias mais conturbadas e populares do EUA (cerca de 150 milhões de pessoas pararam na frente da TV para assistir ao ex-jogador de futebol americano no banco dos réus), um grande nome por trás de sucessos da TV americana e um elenco de atores consagrados, você se depara com, nada mais, nada menos, do que a primeira temporada de American Crime Story: O povo contra O.J. Simpson, a série com o nome mais longo e mais ouvido na cena das premiações: foram 22 indicações e 9 premiações no Emmy Awards, 5 indicações e 2 premiações no Globo de Ouro e 1 premiação no Screen Actors Guild Awards.
Produzida por Ryan Murphy (GleeAmerican Horror StoryScream Queens), em parceria com Scott Alexander e Larry Karazenwski (O Povo Contra Larry Flint), a produção teve como inspiração maciça, a obra The run of his life: The people vs. O.J. Simpson, de Jeffrey Toobin.


Se você já viu Operação Valkyria (se não viu, corra para tal), sabe que se trata de uma história real e que, por isso mesmo, você já sabe o fim. Só que a história é tão bem contada, que você quer saber o que vai acontecer e até torce para dar certo, esquecendo-se completamente do final. Foi esse o desafio que Murphy encarou em American Crime Story: O povo contra O.J. Simpson: o de manter o público instigado até o fim, mesmo que ele já soubesse o final. A escolha foi abordar o julgamento por "dentro", pelo ponto de vista dos promotores, advogados de defesa, juiz, jurados e até amigos do suspeito. E para que isso desse certo, a produção foi cercada por dois grandes trunfos. O primeiro, as grandes atuações do elenco.

Do lado da acusação, temos Sterling K. Brown encarnando Christopher Darden e, Sarah Paulson, que interpreta a advogada da promotoria, Marcia Clark e, cuja atuação fez a rapa em todas as premiações. No time da defesa estão Courtney B. Vance, que interpreta Johnnie Cochran, o líder do "dream team" da defesa, que ainda conta com John Travolta, simplesmente soberbo como o advogado Robert Shapiro e, David Schwimmer (o eterno Ross, de Friends), como Robert Kardashian (sim; é Kardashian, mesmo), amigo íntimo de O.J. Simpson, interpretado por Cuba Gooding Jr. Há que diga que, apesar de já ter ganhado um Oscar, Cuba Gooding Jr. está apenas “ok” no papel. Não se engane. O ator consegue mostrar a personalidade do astro, sem cair na caricatura e sem entregar a culpa. É que, como já dito, a série não é sobre O.J., mas sobre todas as outras pessoas envolvidas no caso. E isso faz diferença no resultado, inclusive da atuação do próprio Cuba Gooding Jr.

O segundo trunfo da série é a fidelidade aos acontecimentos do julgamento, o que foi muito além das caracterizações físicas do elenco. Além da forma de expressão das personagens, que faz você se emocionar com o episódio seis, não por acaso, intitulado Marcia, Marcia, Marcia (dá-lhe Paulson), há muitas falas e cenas que foram retiradas do que foi televisionado. Isso tudo ajuda a contextualizar a história (mesmo para você que ainda não tinha nascido na época do crime).

Lembra que lá no começo eu disse que os EUA pararam para ver o julgamento? Pois é! Foram 372 dias de audiência até o veredito final que inocentou O.J. Simpson, apesar de quase todas as provas do crime apontarem para o seu envolvimento. Um dos motivos para isso foi que os Estados Unidos viviam uma época de crise, com inúmeros casos de negros sendo mortos por policiais. Uma parcela da comunidade negra acreditava que a promotoria estava acusando O.J. Simpson injustamente. Como estratégia, o advogado da promotoria, Christopher Darden (Sterling K. Brown), foi escolhido para tentar mudar a ideia da comunidade negra em relação à figura de Simpson. Outro fator foi que O.J. Simpson era uma figura muito popular. Além de ser um grande jogador da NFL, ele participou de filmes como a franquia Corra que a Polícia Vem Aí. Dentro desta perspectiva, a série aponta o local onde o atleta morava, um bairro elitista, de comunidade predominantemente branca, que quando é indicado como cena de um crime, deixa a promotora incrédula, já que lá nunca acontece qualquer crime e, uma fala do próprio Simpson, que atesta “Mas eu não sou negro. Eu sou O.J.”. Para se ter ideia do tamanho da encrenca, uma equipe de reportagem brasileira que chegou aos bairros com maior população negra, tentando saber o ponto de vista deles sobre o julgamento, não conseguiu passar de um determinado ponto, porque foi apedrejada.


É por tudo isso que durante o julgamento de O.J. Simpson, os assassinatos ficaram em segundo plano. Este foi muito mais um julgamento sobre raça, fama e classe social, um dos pontos apontados pela série como responsáveis por corromper o sistema de justiça criminal. Os advogados de O.J. debateram por muito tempo se a palavra niger (criolo) deveria ou não ser utilizada no tribunal. Do mesmo modo, a beleza, o vestuário e a personalidade da promotora Marcia Clark entraram nos holofotes da imprensa da época, ressaltando todo o sexismo e deixando sua competência de lado e as mortes de Nicole Brown e Ron Goldman apenas como notas de rodapé, sem contar o cansaço do júri (o julgamento durou um ano). Essas coisas se refletiram na absolvição de O.J., mesmo que boa parte do país, ainda hoje, não acredite na sua inocência.

À época do julgamento ainda não existia Big Brother, nem Brasil, nem gringo. Mas os programas da TV foram interrompidos para mostrar um Ford Bronco fugindo de uma perseguição policial em uma autoestrada da Califórnia, durante a prisão de O.J. Os adultos abandonaram o trabalho e os alunos saíram das salas de aula para assistir ao veredito do júri, em plena terça-feira, totalizando aquele número estrondoso de 150 milhões de pessoas. Para muitos este foi considerado o primeiro reality show da TV. Para você ter uma visão melhor do quadro, apenas 37,8 milhões de pessoas sintonizaram a eleição histórica de Barack Obama, em 2009.

Comparado ainda a outro presidente, no caso, ao assassinato de JFK (essa é a pergunta que abre o romance O Dossiê Odessa) e, o 11 de setembro, as pessoas do EUA se lembram de onde estavam quando o veredicto polêmico de O.J. foi lido. Chamado de “O Julgamento do Século”, Murphy aproveita tudo isso para, bem mais do que explorar o caso Simpson, lançar a pergunta de o quanto este julgamento ajudou a forjar a obsessão da nação com raça, fama, dinheiro e celebridade.


Falando em celebridades, sim, finalmente chegamos aos Kardashians. Falei que essa história se passa muito antes do Instagram e do E!. Embora o pai do clã, Robert, fosse amigo íntimo de Simpson, ninguém conseguia dizer corretamente seu sobrenome. E é engraçadíssimo ver isso, principalmente se se parar para pensar que você, que nasceu em 1995, tem mais chances de que a sua primeira palavra não tenha sido nem papai, nem mamãe, mas Kardashian. Avesso aos holofotes e, aparentemente, muito boa pessoa, Robert protagoniza uma cena icônica, num restaurante, onde almoça com as versões mirins de Kim, Kloe, Kourtney e Rob e discursa: “Somos Kardashians e nessa família ser uma boa pessoa e um amigo leal é mais importante do que ser famoso. Fama é passageira. É vazia. Não significa nada se você não tem virtudes no coração”. Mesmo engraçado, a evolução dos Kardashians dialoga com o espetáculo que se cria em torno do julgamento do próprio O.J. Simpson.

É por tudo isso que a última coisa com a qual a série se preocupa é o veredito. Sem assumir um lado, ela deixa que o espectador é vá tirando suas próprias conclusões, à medida que os policiais vão desvendando as pistas e o duelo entre promotores e advogados de defesa se desenrola. O que realmente interessa à série é entender como o veredito foi alcançado e o que isso significou para as pessoas envolvidas. E é esta pequena diferença que faz desta, uma das melhores produções a que você pode assistir.
 
Em forma de antologia, American Crime Story contará uma nova história a cada temporada (já foram confirmadas quatro). Os próximos focos serão em crimes que aconteceram durante a passagem do furacão Katrina pelos Estados Unidos e o assassinato do estilista Gianni Versace.
 
 

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Bia Coelho

Ei meus amores! Sou a Bia Coelho! 25 primaveras, mineira, mãe da Manu e da Alana, alucinada por livros. e apreciadora de bons romances! Bem vindos ao Entre Livros e Amores!

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Luanna Oi, eu sou a Luanna do Instagram @pausaparalivros, escorpiana raiz, e vou aparecer aqui com muitas resenhas de livros, além de dicas de filmes, séries... ou seja, tudo o que a gente ama. Não é mesmo? Espero que gostem do conteúdo que postarei e me sigam no Instagram para saber diariamente o que estou achando das leituras

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